"Alegria nas pernas"
Final de semana. Ah! O final de semana! Se não tem treino tem corrida. Senão tem corrida tem treino. E desta vez foi uma corrida treino ou, se você preferir, um treino corrida. As 4 horas da manhã de domingo partimos rumo a capital paulista para desta vez encarar a 23a. Maratona Internacional de São Paulo. A idéia era utilizar a estrutura da prova, tão bem organizada, para realizar nosso último longão, um super longão, visando nossa prova alvo, a maratona de Montevideu - Uruguay que ocorrerá dia 23 de Abril.
Sob a supervisão do grande mestre Marinho da MFT cerca de 30 atletas despertaram cedo na madruga de domingo para então partir para a terra da garoa. Nossos atletas que se inscreveram nos 42km tinham como alvo correr por 3 horas e vinte minutos os meninos e 3 horas e 30 minutos as meninas, tentando fazer o máximo de distância durante esse tempo. Ou seja não era o objetivo terminar essa prova correndo, de maneira que completado o objetivo de tempo cada um deveria concluir a prova andando, ou naquele trotinho sem vergonha. Também tinha o pessoal que está se preparando para os 21km de Montevideo. Esse pessoal participou da prova de 24km com o objetivo de fazer 18km e completar os restante tranquilamente.
Pois bem, como uma logística impecável, de dar inveja a qualquer agência de turismo por ai, chegamos as 5:45 em São Paulo, o ponto marcado foi uma padaria a mais ou menos 1 km de distância da largada. Excelente organização professor!!!! Lá foi possível tomar um café rejuvenescedor e também utilizar as dependências da padoca para os preparativos finais antes da prova. Teve gente que levou lanchinho, teve cara que levou marmita e teve um que havia preparado refeição completa: tapioca, mamão e sei la mais o que. Fiquei imaginando como seria correr depois de ter comido aquilo tudo. Vai ver que é como o caso da banana do amor, se a esposa preparou é melhor levar sem contrariar. Também estavam presentes o pessoal dos kits, do kit vaselina para não assar, do kit fitinha no cabelo para não atrapalhar, do kit meia de compressão e kit todas essas manias de atletas.. Enfim, todos cafeinados e preparados partimos para o parque do Ibirapuera, onde seria a largada dessa linda prova, para encontrarmos milhares de pessoas preparando-se para o tal desafio.
Últimos preparativos, partimos para a largada, juntamente com nossa equipe mais de 18.000 atletas largaram naquela manha nublada e de temperatura amena. O clima estava perfeito, a energia da largada uma das melhores que eu já presenciei. Para nossa surpresa no alto falante o locutor avisava que o prefeito Dória estava ali, na linha de largada, próximo aos atletas. Quando cruzei a linha logo vi sua imagem, coincidentemente eu estava do lado onde a tal figura se encontrava, e não tive dúvida, cruzando por ele fiz o seu tão famoso gesto com os dedos e gritei “Acelera São Paulo”!!!!
E assim começamos aquele desafio. Eu com meu companheiro de treino combinamos ir tranquilos, eu agradeci já que voltava de uma lesão na panturrilha que desde do principio do ano vem me trazendo muita falta de treino e, consequentemente, ritmo. E assim partimos tranquilos, aliás bem tranquilos. Chega até ser difícil ir "na manha", a gente quer acelerar mas sabe que não pode senão não chega, tem que cumprir o planejado. No kilómetro 6, alguns dos companheiros de equipe nos alcançaram e então não tive dúvidas, saquei o telefone e fizemos uma transmissão ao vivo!!! Ao vivo para todo o país!! A energia estava a toda. Mais a frente alguém que assistia gritava “Alegria nas pernas! Tem que ter alegria nas pernas”. Esse é o espirito da corrida!
O pessoal se dispersou e eu e meu amigo atleta seguimos juntos lado a lado, no pace (Velocidade) programado. Os primeiros 10km foram tranquilos, dentro do planejado. Chegamos ao kilómetro 20 muito bem, um pouco mais rápido mas ainda dentro do combinado e fisicamente bem. Um dava forcas para o outro, e nessa troca de energia íamos seguindo sem maiores problemas.
Então, naquele momento, cometi uma erro típico, fazer contas. Contas de quantos Km faria naquele ritmos. Pois bem, não demorou muito para meu chapa reclamar que suas pernas estavam pesadas, e dizendo para que eu seguisse adiante sozinho. Eu disse não, começamos juntos e juntos vamos terminar! Porém ao redor do kilómetro 23 o cara parou e me disse "vai", eu tentei motiva-lo, até puxei o cara pelo braço mas ele disse que não dava, que depois me alcançaria. Eu não tinha alternativa, se parasse não conseguiria voltar, quem corre sabe, se quebra o ritmo complica, ainda mais com toda aquela distância ainda pela frente.
E assim continuei, mas agora com uma grande dúvida na cabeça: será que conseguiria? Quando vamos com alguém ao lado fica mais fácil um vai dando forças ao outro. Lembra do ditado africano do artigo do piriri? "Se quiser ir rápido vá sozinho. Se quer ir longe vá acompanhado”. Pois bem, assim segui em frente, já no kilómetro 29 ainda com muita energia, senti a tão temida panturrilha. Do nada o tal pesadelo voltou! Senti uma leve fisgada no músculo da perna direita, na hora diminui a velocidade. A dor não era forte mas preocupante. Eu tinha que me preservar para a prova alvo de Montevideu. Com o ritmo mais baixo a dor insistia e não tive outra opção, e então no kilómetro 30 com exatos 3 horas de prova eu caminhei.
Com a cabeça baixa, me senti decepcionado. Só mais 20 minutos e eu teria cumprido o planejado. A dor insistia e agora também vinha a tona uma dor chata no joelho. Putz, nessa hora passa muita coisa pela cabeça. Mas decidi não me desaminar, iria finalizar aquela prova. E assim segui em frente, fiz uma cara de “mau” e não parei, algumas vezes correndo devagar, testando a tal panturrilha e outras vezes andando. Alguns kilómetro a frente meu companheiro de largada me passou, ele vinha num ritmo bom. Havia se recuperado bem e assim seguiu em frente.
Depois dessa "luta interior”, eu de cara emburrada mas sem desistir cruzei a linha de chegada para então me sentir fortalecido. Mentalmente fortalecido já que o corpo ainda com dor reclamava daquela luta. Mas continuo de pé, olhando em frente e focando na prova do Uruguay. Com dúvidas e apreensão essas duas semanas vão ser de pouco treino e muita fisioterapia e tratamento para recuperar a tempo a tal panturrilha.
Finalmente descalço e com dor nos pés cheguei até a padoca para então encontrar meus amigos atletas já na hidratação, no famoso suco de cevada, e festejando por mais um objetivo alcançado.
É isso ai, espero que tenham gostado. Um grande abraço.